Dados do Trabalho


Título

PERFIL EPIDEMIOLOGICO DAS VITIMAS DE VIOLENCIA SEXUAL ATENDIDAS EM IML DE UMA REGIAO METROPOLITANA BRASILEIRA DE 2017 A 2020.

Introdução

Violência sexual é toda ação, na qual um indivíduo em situação de poder obriga outro a realizar prática sexual contra a vontade. Sob
aspecto jurídico, a manifestação mais grave de violência sexual é o estupro que requer realização de exames periciais sexológicos. O
Instituto de Medicina Legal Antônio Persivo Cunha (IMLAPC) situado em Recife, Pernambuco, Brasil, destina-se à realização de exames
periciais sexológicos.

Metodologia/ Discussão

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco CAAE: 44705121.0.0000.5207. Tratou-se
de um estudo retrospectivo e transversal, com consulta a laudos periciais sexológicos do Sistema de GDL do IMLAPC.


No que diz respeito à distribuição geográfica, os dados demonstraram que o município do Recife possui o maior quantitativo de casos de crime sexual em questão, correspondendo a 33,8% da amostra total, uma explicação plausível seria por ser a cidade mais populosa da Região Metropolitana em questão. Um estudo observacional e descritivo demonstrou uma prevalência de vítimas de violência sexual do gênero feminino de 80,3%, (Francioli et al., 2018), dado semelhante ao encontrado neste trabalho que foi de 85,7% dos indivíduos submetidos ao exame sexológico serem mulheres. A presente pesquisa quantificou em 60% a porcentagem de vítimas tidas como vulneráveis, de modo que apenas 1,6% possuíam algum grau de deficiência mental. Dentre os menores de idade, houve superioridade do sexo feminino neste trabalho (79,61%), maior que Pádua et al., 2011, que demonstrou prevalência de 63,4% no sexo feminino. Penso et al., em 2019, apontaram que famílias sob maior carência econômica tendem a delegar mais o cuidado do filho aos parentes, implicando em arranjos que expõem mais a criança, de modo que a maior parcela das vítimas de abuso do sexo masculino se enquadra como vulneráveis. Quanto ao tipo de violência, percebeu-se uma discordância com os dados de outro estudo realizado em Recife por Sena et al., no qual 75,9% foram por conjunção carnal e 24,1% sofreram violência por ato libidinoso diverso de conjunção carnal, já neste trabalho houve uma discreta superioridade do ato libidinoso diverso de conjunção carnal (48,1%) sobre a conjunção carnal (43%), de acordo com o relato da vítima, apresentando uma certa equivalência.
Na análise geográfica da taxa de denúncias de estupro a cada 100.000 habitantes nos quatro anos, 2017 a 2020, foi demonstrada prevalência de ocorrência do crime sexual na cidade de Cabo de Santo Agostinho (43,2) e Paulista (35,7), resultado ainda superior ao encontrado por Souza et al., 2022, que avaliou em 2018 o Sertão do Pajeú do Estado de Pernambuco, composto por 20 cidades, tendo encontrado uma taxa de 4,3 num período de seis meses, extrapolando para o período do presente estudo chega-se a um valor de 34,4/100.000 habitantes.

Marco Conceitual/ Fundamentação/ Objetivos

Dentre as suas diversas apresentações, a violência de conotação sexual é tida como a que traz mais complicações, à longo prazo, para o indivíduo acometido. Esse fato decorre de que suas implicações não se restringem ao âmbito físico, somente, elas permeiam os mais diversos contextos que envolvem a sexualidade humana (Moreira et al., 2017; Platt et al., 2018). Com isso, este tipo de violência tem sido responsável pela diminuição da qualidade de vida das vítimas e, consequentemente, pelo aumento dos custos sociais com cuidados em saúde e previdência (Platt et al., 2018). Por definição, violência sexual é toda ação na qual um indivíduo em situação de poder obriga outro a realizar prática sexual contra a vontade, por meio de força física, influência psicológica, uso de armas ou drogas, o que independe de qual seja a relação com a vítima (Santos, 2014). Sob o aspecto jurídico, a manifestação mais grave da violência sexual é o estupro, que consiste na prática da conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso, mediante grave ameaça ou violência física (Araujo et al., 2015). Estima-se que 225 milhões de menores, no mundo, são vítimas de abusos sexuais anualmente, destes, 150 milhões são do sexo feminino (Pinheiro, 2006). Dos grupos sociais acometidos no Brasil, as crianças e os adolescentes configuram o primeiro lugar, em número de casos denunciados (Santos, 2014). O Estado de Pernambuco apresenta o quarto maior número de casos de violência sexual nessa faixa etária, dentre os estados da região Nordeste. Pernambuco ficou atrás somente da Bahia, do Ceará e do Maranhão no primeiro semestre de 2019 segundo dados publicados pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, vinculada ao Ministério da Justiça e Cidadania (Brasil, 2020). No biênio 2012 e 2013, foi vista uma associação positiva (p<0,001) de violência sexual às vítimas na faixa etária entre 10 e 14 anos de idade, estudo esse feito através da análise de laudos periciais do IMLAPC/PE (Instituto de Medicina Legal Antônio Persivo Cunha) (Sena et al., 2018). Em 2017, foi implantado no Portal de Serviços da Secretaria de Defesa Social (SDS), acessível na internet, o Sistema de Gestão de Laudos (GDL) das Perícias Médico-Legais do Estado de Pernambuco. Diante disso, o trabalho justifica-se pela necessidade de compreender melhor quais são os grupos mais afetados desde a criação do GDL, 2017, até o ano de 2020, objetivando criar políticas públicas direcionadas a estes grupos que reduzam o percentual dos casos de violência sexual na região. Além disso, a questão torna-se relevante por não existir um número satisfatório de trabalhos científicos que estudem essa temática na região metropolitana de Recife. Em 2017, foi implantado no Portal de Serviços da Secretaria de Defesa Social (SDS), acessível na internet, o Sistema de Gestão de Laudos (GDL) das Perícias Médico-Legais do Estado de Pernambuco. Diante disso, o trabalho justifica-se pela necessidade de compreender melhor quais são os grupos mais afetados desde a criação do GDL, 2017, até o ano de 2020, objetivando criar políticas públicas direcionadas a estes grupos que reduzam o percentual dos casos de violência sexual na região. Além disso, a questão torna-se relevante por não existir um número satisfatório de trabalhos científicos que estudem essa temática na região metropolitana de Recife.

Resultados/ Conclusões

O total da amostra é de 3749 laudos . O município com maior quantitativo foi Recife com 33,8% (n = 1268), sendo que Cabo de Santo Agostinho, Igarassu e Jaboatão dos Guararapes têm uma maior propensão a apresentarem vítimas do sexo masculino, enquanto que Abreu e Lima, Araçoiaba, Ilha de Itamaracá, Olinda e Paulista a terem do sexo feminino (valor-p < 0,001). A distribuição de acordo com a vulnerabilidade (menor de idade) é homogênea, contudo, mulheres são mais propensas a serem maior de idade e homens, a serem menores de idade, em relação ao tipo de vulnerabilidade (valor-p < 0,001). 1,6% (n = 60) são vulneráveis por conta de retardo mental. Quanto à vulnerabilidade sem estratificar por nenhum tipo, há 60% (n = 2248) com esta característica, sendo que os homens apresentam chance a favor de ser vulnerável e mulheres a favor de não ser (valor-p < 0,001). Ao relatarem os atos, 48,1% (n = 1805) afirmam ter tido somente ato libidinoso diverso de conjunção carnal, sendo que, homens são mais propensos a afirmarem não ter tido nada ou somente ato libidinoso diverso de conjunção carnal, enquanto que mulheres afirmam que tiveram mais atos de conjunção carnal (valor-p < 0,001). ). O sexo do acusado mais frequente foi o masculino 85,2% (n = 3193), porém, homens são mais propensos a afirmarem ser agredidos por mulheres (valor-p < 0,001). A faixa etária mais frequente foi a de 1 a 12 anos, 46,8% (n = 1756) sendo a faixa etária de 1 a 12 anos mais propensa a ser apontada por garotos e as demais por mulheres (valor-p < 0,001). O ato libidinoso diverso de conjunção carnal é mais frequente que a conjunção carnal, sendo que, quando um homem relata não ter ocorrido nada, o legista teve a mesma resposta em todas as vezes (valor-p < 0,001). Conhecido(a), primo (a) e tio (a) são os graus de parentesco com chance favorável de praticarem ato libidinoso diverso de conjunção carnal (valor-p < 0,001). Sempre que o sexo do acusado foi feminino, o legista afirmou não ter elementos ou o periciando não deixou realizar o exame (valor-p < 0,001); homens têm maior chance de serem vítimas de ato libidinoso diverso de conjunção carnal quando a faixa etária é de 1 a 12 anos; de 13 a 18 anos a chance de não ter ocorrido nada nos meninos é maior, já em relação a permitir que o legista realize o exame, é quase certo que os homens a partir dos 19 anos não autorizem (valor-p < 0,001).O presente estudo concluiu que as vítimas de violência sexual submetidas ao exame sexológico realizado por médico legista na Região Metropolitana do Recife de 2017 a 2020 em sua maioria são mulheres que têm como perpetrador algum familiar ou um conhecido do gênero masculino. A cidade com mais casos em número absoluto foi Recife e quando se tomou como proporcional à população, Cabo de Santo Agostinho assume a liderança. A faixa etária de 13 a 18 anos de idade entre as mulheres assume o maior risco para sofrer crime sexual através de conjunção carnal. Em mais da metade dos casos o médico legista tende a informar que não há elementos para caracterizar a violência sexual ou a vítima não permitiu ser examinada. Não diferente, quando se trata de um homem maior de idade como vítima, esse grupo dificilmente permitirá ser examinado.

Considerações Finais

Torna-se necessário que os órgãos públicos competentes implementem estratégias socioeducativas (palestras em escolas e Unidades Básicas de Saúde; publicidade em mídia com objetivo de alertar às possíveis vítimas os riscos que as mesmas correm, criação de mais delegacias da Mulher e da Criança e do Adolescente, dentre outras opções), no sentido de coibir a prática do crime sexual. E uma vez tendo acontecido tal ato repugnante, que os criminosos sejam devidamente identificados e punidos; e que por outro lado, sejam implantados programas sociais para acompanhamento das vítimas, atitudes essas que, certamente, tenderão a diminuir o número de pessoas abusadas sexualmente na região estudada.

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Área

Os diversos aspectos em Medicina Legal e Perícia Médica da violência sexual

Instituições

INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL ANTÔNIO PERSIVO CUNHA - Pernambuco - Brasil

Autores

JOSE MIGUEL FRANCISCO DA SILVA SOUZA, IZABELLA CARVALHO DE OLIVEIRA, BRUNO PIRES AMORIM, JÚLIO CÉSAR EUGÊNIO PEREIRA FREIRE, REGINALDO INOJOSA CARNEIRO CAMPELLO, ADRIANA CONRADO DE ALMEIDA