Dados do Trabalho


Título

ANALISE DO NUMERO DE CASOS DE ESTUPRO EM UM MUNICIPIO NO NORTE FLUMINENSE

Introdução

Segundo o código penal em seu artigo 213, estupro é constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Conforme notado no artigo 213 do código penal, nota-se que o estupro não compreende apenas a conjunção carnal, mas também todo ato libidinoso que objetiva satisfazer sexualmente o agressor e que ofenda a moral sexual padrão, tendo uma unificação do que antes era chamado atentado violento ao pudor com a realização da conjunção carnal - representada pela relação sexual em si. Portanto, refere-se a toda opressão ao livre exercício da sexualidade de um indivíduo, seja no intuito de reprodução ou na busca do prazer.
De acordo com Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2019), há no país cerca de 180 estupros por dia, tendo tido um crescimento de 4,1% em relação ao ano anterior. Em 2018, houveram 66041 registros de violência sexual, sendo que mais de 80% das vítimas eram do sexo feminino, 53,8% tinham até 13 anos sendo que estatisticamente 4 meninas de até 13 anos são estupradas por hora. Tais dados ainda são, conforme o próprio anuário, subestimados uma vez que os crimes sexuais são um dos que apresentam menores taxas de notificação. De acordo com Winzer (2016), apenas 2,4% das vítimas mulheres reportam o caso e ao se tratar dos homens essa porcentagem se aproxima de 0% visto que há, além da vergonha, o medo de retaliação por parte do agressor, do julgamento de outrens e do descrédito nas instituições de justiça.
Destarte, nota-se que o ato da violência sexual é predominante para com o sexo feminino e também em menores de idade. Isso decorre da própria definição de violência já que esta é um fenômeno sociocultural que decorre da assimetria dentro de uma relação hierárquica de desigualdade, sendo mais comum para com os grupos de vulnerabilidade - dentro dos quais se encontram mulheres e crianças. Isso reflete ainda um quadro social que é denominado inclusive midiaticamente como “cultura do estupro” (representa a maneira corriqueira com que ocorre e não como uma exceção no meio social); a construção social dos gêneros, sendo esta basicamente uma forma de legitimar relações de poder entre homens e mulheres; e o patriarcado social que é um sistema de estruturas e práticas sociais na qual o homem domina, oprime e explora a mulher.
Ao analisar o estupro, há ainda a questão probatória. Para condenação do sujeito ativo que praticou o crime contra a dignidade sexual é necessária a comprovação da autoria do ato e materialidade do delito a fim da aplicação do direito ao caso. Tal comprovação pode se dar por meio de documentos (tais quais fotos, vídeos, laudos psicológicos), por prova testemunhal (incomum nessa tipologia criminal visto que na maioria dos casos o estupro ocorre longe dos olhares de outrem), por meio de exame de corpo de delito (perícia que comprova materialidade do ato quando o mesmo deixa vestígios conforme o artigo 158 do Código de Processo Penal) ou pela declaração da vítima. Esta muitas vezes é a única prova e perpassa por interpretações legais e sociais pautadas pela construção de um imaginário de mulher honesta e do julgamento da conduta da vítima.

Metodologia/ Discussão

No presente trabalho, foi realizado uma pesquisa exploratória e descritiva, com levantamento de dados disponível no Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Os dados foram computados referentes à cidade do Campos dos Goytacazes, Região Norte Fluminense e Estado do Rio de Janeiro sendo realizada uma comparação de informações de casos, nos meses de Janeiro a Setembro, entre 2019 e 2020. O artigo obteve dados comparativos entre os sexo e autor para estabelecer confrontamento de dados e, além disso, foram estabelecidos percentuais comparativos do período selecionado com o anterior - Janeiro de 2018 a Setembro de 2019. A avaliação de dados foram feitas através do “monitoramento por área”, “relatório por área” e “grupos vulneráveis” presente no site do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro.

Marco Conceitual/ Fundamentação/ Objetivos

O estudo tem como propósito analisar o número de casos de estupro de um município no Estado do Rio de Janeiro, computando sua incidência e percentual em diversas perspectivas e buscar identificar a prevalência de casos de estupro na cidade de Campos dos Goytacazes-RJ.

Resultados/ Conclusões

Segundo dados disponíveis no ISP, a incidência de casos na cidade de Campos dos Goytacazes entre os meses de Janeiro de 2019 a Setembro de 2020 é de 219 casos, com percentual de 42,7% dos casos do Norte Fluminense, e em comparação ao período anterior, com 275 casos, existe uma redução de 20,4% dos casos entre os anos. A cidade Campos dos Goytacazes no período de Janeiro a Setembro de 2019 apresentou 134 casos e em Janeiro 2020 a Setembro do mesmo ano, foram relatados 60 casos, revelando uma variação de 55,2%. Em setembro de 2019, a cidade referiu 15 casos e no ano de 2020, 16 casos. Ademais o número de casos no Estado do Rio de Janeiro, no período de Janeiro a Setembro de 2019 foi de 4.074 e no ano de 2020, nesse mesmo período foram relatado 3.403 casos, apresentando uma variação de -16,5%. Já em setembro de 2019, o número de casos foi de 482 e em 2020, 481, evidenciando uma variação de -0,2%. Em paralelo, os dados da região Norte Fluminense indicam que a incidência de casos de estupro é de 513, com percentual de 5,8%. No período anterior, a região obteve 554 casos. Portanto, comparando o período selecionado do estudo com o período anterior (janeiro de 2018 a Setembro de 2019) temos uma variação de 7,4% de casos. Analisando dados em relação aos grupos vulneráveis, no ano de 2019 a Cidade de Campos dos Goytacazes relatou 15 vítimas do gênero feminino, representando um percentual de 93,8%, enquanto, o sexo masculino evidenciou 6,3% dos casos. O Estado do Rio de Janeiro apresentou nesse mesmo período 5.450 casos de estupro, sendo que 86,0% das vítimas são do sexo feminino, 12,8% do sexo masculino e 1,2% das vítimas não foram informados.
Dados apresentados em “grupos vulneráveis” pelo ISP na Cidade de Campos dos Goytacazes demonstram que 3,8% dos estupros ocorreram em ambiente familiar- mãe, pai, padrasto ou madrasta. Ademais, com relação à idade das vítimas, dados mostraram que crianças na faixa etária de 12 anos foram as mais acometidas no ano de 2019, representando 10,7%.
Analisando os resultados, nota-se que houve uma queda da denúncia de estupro entre os anos de 2019 e 2020. Dentro dessa perspectiva, questiona-se se houve redução dos casos ou das notificações. Em um paralelo com a violência doméstica e crimes contra mulheres dentro dos mesmos períodos, analisada por Lobo (2020), tal autor também constatou um decréscimo nos registros de boletins de ocorrência em torno desses crimes. Contudo, paradoxalmente em suas análises foi notado que os índices de atendimento à violência doméstica documentado pela Polícia Militar sofreu um aumento exponencial tal qual o feminicídio. De acordo com Gomes (2016), o estupro se relaciona diretamente com esses outros crimes e também aos crimes de assédio uma vez que na sua busca de dados notou que das 57% dos crimes de violência sexual ocorriam no ambiente familiar e apenas 13% nos espaços públicos. Assim sendo, questiona-se a veracidade dos números relatados e encontrados no ISP frente aos números reais visto que, segundo Oliveira (2019), a maior parte das vítimas não registra queixa por constrangimento, humilhação e por medo da reação de conhecidos, autoridades e do autor do crime.
Em relação a análise das vítimas, nota-se uma grande prevalência tanto na cidade de Campos dos Goytacazes como no estado do Rio de Janeiro de mulheres em relação a homens. Isso vai ao encontro da literatura, como no perfil epidemiológico da violência sexual a nível Brasil desenhado por Graciano, Almeida e Carneiro (2017). Nesse estudo notou-se que a violência sexual no sexo feminino é até três vezes mais frequente do que nos homens, sendo esse cenário correlato com a construção histórica patriarcal da desigualdade de gênero, da mulher como ser frágil e submissa consoante Oliveira e Resende (2020).
Outrossim, dentro dessa população feminina, pode-se ainda analisar as vítimas conforme cor/raça. Em dados de Cerqueira, Coelho e Ferreira (2017), observou-se que havia prevalência das indígenas, seguida de amarelas, negras e brancas a nível Brasil. Conquanto, na base do ISP em relação ao município de Campos dos Goytacazes essa proporção não é constatada, tendo nessa região uma preponderância de vítimas brancas, seguidas das pardas e negras.
No tocante a idade, por sua vez, os dados analisados apontam que há uma preponderância de menores de idade dentre os agredidos. Tal fato ratifica o encontrado em literatura. Cerqueira, Coelho e Ferreira (2017) constataram em sua pesquisa que 70% das vítimas pertenciam a esse grupo. Vanzeler et al. (2020) demonstram ainda que destes, as crianças e adolescentes constituem parte de uma das populações mais atingidas pela violência sexual que neste caso pode ser enquadrada sob o preceito de estupro de vulnerável quando o agredido é menor de 14 anos.
No que tange a relação da vítima, principalmente dentro do grupo de vulnerabilidade, com o agressor, notou-se que há predomínio dos casos em que o estupro decorre do próprio ambiente familiar. Essa constatação ratifica o exposto por Sanches et al. (2019) que em revisão notou-se que que há prevalência da violência sexual intrafamiliar, tendo esta, assim, um caráter doméstico. Ademais, Graciano, Almeida e Carneiro (2017) analisam o vínculo entre vítimas e autores e concluem que 40% dos estupradores de criança pertencem ao círculo familiar próximo e ainda há para além desse percentual os conhecidos e familiares distantes, sendo uma minoria dos casos correlacionadas a desconhecidos. No que concerne a vítimas maiores de idade, há uma inversão desse quadro - a maioria dos agressores são desconhecidos e num segundo plano amigos, conhecidos e familiares da vítima.

Considerações Finais

Por fim, pelos objetivos relatados, dados levantados e por toda análise realizada observamos que a cidade de Campos dos Goytacazes segue parte dos padrões observados nacionalmente e na literatura científica quanto ao estupro, por meio dos dados divulgados pelo ISP, ocorrendo prevalentemente com mulheres, menores de idade e dentro do próprio ambiente familiar, contudo, na mesma cidade há prevalência do crime com as mulheres brancas, sendo que nacionalmente há predominância de mulheres negras e pardas afetadas. Além disso, ocorreu um decréscimo das notificações de violência doméstica entre os períodos analisados, diferente do disposto no país, que pode ter ocorrido por fatores como o medo de retaliação por parte dos abusadores e até mesmo membros da própria família.

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Área

Sexologia Forense

Instituições

Centro Universitário Redentor - Rio de Janeiro - Brasil

Autores

CLAUDIO DOS SANTOS DIAS COLA, DANILLO ANTUNES MERAT, LETÍCIA LONGUE CORRÊA, ROBER MARTHAN OLIVEIRA DE CARVALHO HENTZY, THAYNARA CABREIRA DA SILVA