Dados do Trabalho


Título

A DECLARAÇAO DE OBITO E OS DESAFIOS ENCONTRADOS PELOS MEDCOS DURANTE O SEU PREENCHIMENTO

Introdução

A Medicina Legal é uma especialidade concomitantemente médica e jurídica que utiliza conhecimentos técnico-científicos da medicina para o esclarecimento de fatos de interesse da justiça, o profissional desta área recebe o nome médico legista (1).
Segundo Delton (2), Medicina Legal é ciência e arte extrajurídica auxiliar alicerçada em um conjunto de conhecimentos médicos, paramédicos e biológicos destinados a defender os direitos e os interesses dos homens e da sociedade. Com este contexto foi inserida na grade curricular do curso de medicina através da Lei Maximiliano (decreto 11.530, de 18 de março de 1915), que concedeu a oportunidade da prática por alunos e professores no Serviço Médico-Legal, e os relatórios produzidos pelos médicos, então ganharam validade jurídica.
Dentre as muitas atribuições do médico está sua atuação acerca da Medicina Legal, por vezes através de decisões judiciais, outras espontaneamente, na qual a Declaração “formal” do Óbito aparece com certa frequência, considerando que a Declaração de Óbito é um documento, cujo preenchimento médico se faz obrigatório, na qual a Resolução n° 1.779 de 2005 do Conselho Federal de Medicina relata suas atribuições e responsabilidades (3).
A DO, forma abreviada e muito frequente da Declaração de Óbito, é um documento-base do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS). É composta de três vias auto-copiativas, pré-numeradas sequencialmente, fornecida pelo Ministério da Saúde e distribuída pelas Secretarias Estaduais e Municipais de saúde conforme fluxo padronizado para todo o País (4).
De acordo com Mendonça et al. (5) existe uma dificuldade para a geração dos dados de mortalidade confiáveis. Isto ocorre porque o preenchimento desse documento é padronizado e segue um protocolo, o qual muitos médicos desconhecem.
Com isso, Mendonça et al. (5) inferiu que os resultados mostram que além da falta de informação, existe pouca utilização dos materiais de instrução fornecidos aos médicos pelos órgãos e instituições responsáveis. Logo, a inconsistência nos dados acarreta em danos civis, éticos e criminais para profissional de saúde em questão, decorrentes da inadequação da cadeia de eventos patológicos no campo das possíveis causas de morte e outros aspectos que serão considerados no decorrer do trabalho.

Metodologia/ Discussão

O atual estudo faz-se com um método do tipo exploratório-descritivo, pela característica de observar, classificar e descrever acerca da Declaração de Óbito segundo análise extensa da literatura para que fosse obtido embasamento cientifico suficiente para o estudo.
Por se tratar de um estudo exploratório, utilizou-se como pressuposto gnosiológico o paradigma interpretativista, na tentativa de compreender o problema do preenchimento do formulário da DO sob a ótica das pessoas diretamente envolvidas, procurando entender possíveis dificuldades que essas pessoas denotam ao executar tal tarefa, assim como informações e manuais disponíveis para orientação e consulta.
Para a coleta de dados literários foram utilizados livros e manuais de alta relevância no assunto e, levantamento eletrônico de artigos nacionais indexados na base de dados eletrônicos Scientific Electronic Library Online (SciELO). Mediante consulta aos DECs (descritores de assunto em ciências da saúde da Bireme) foram utilizados os seguintes descritores no processo de revisão: Declaração de Óbito (DO), Sistemas de Informação em Saúde, Medicina Legal; em língua portuguesa e inglesa.

Marco Conceitual/ Fundamentação/ Objetivos

Dessa forma, este estudo tem como objetivos: apresentar, quanto ao preenchimento, a sua forma correta, pontos de grande relevância, análise por meio da literatura das principais dificuldades encontradas pelos médicos e por fim, apontar as implicações ético legais do preenchimento inadequado da DO.
2.1 Aspectos gerais da declaração de óbito: Abordagem Histórica
No final do século XIX cada país tinha seu próprio modelo de declaração de óbito quando em 1925 a Organização de Saúde da Liga das Nações sugeriu, através de informe, um modelo único, no qual houvesse um critério para descrever as causas da morte (6). Inglaterra e País de Gales adotaram o modelo em 1927, seguidos pelo Canadá e, nestes foi criado um programa educativo nas escolas médicas e para os profissionais, com o propósito do correto preenchimento. A declaração de óbito é um documento oficial, que deve ser utilizado em território nacional para atestar a morte de todo cidadão brasileiro e é a base para os dados obtidos pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), que foi implantado no Brasil em 1950, intitulado “Modelo Internacional (6).
O Brasil, através de sua legislação, traz por obrigatoriedade o Registro Civil de nascimentos e óbitos, neste último se faz necessário que este registro seja feito através de atestado médico, se houver na localidade do ocorrido, não bastando o simples relato de familiares ou afins (7).

2.2 O documento – Declaração de Óbito;
A Declaração de Óbito é um documento oficial (Anexo 1), distribuído gratuitamente, às Secretarias Estaduais de Saúde para subsequente fornecimento às Secretarias Municipais de Saúde, estas, por sua vez, são responsáveis pelo controle e distribuição entre os estabelecimentos de saúde, Institutos Médico Legais, Serviços de Verificação de Óbitos, Cartórios do Registro Civil, profissionais médicos e instituições que a utilizam, bem como pelo posterior recolhimento das primeiras vias em hospitais e cartórios, cuja padronização foi produzida pelo Ministério da Saúde, em um impresso numerado sequencialmente, com 3 vias em papel especial autocopiativo, que compõem um jogo, em cada bloco contém 30 jogos de formulários (6). A DO é utilizada em todo o território nacional pelo médico para atestar o óbito e, possui duas importantes funções: a primeira de âmbito jurídico, que é fornecer as informações para a lavratura da Certidão de Óbito pelo de Registro Civil e a segunda, de ordem epidemiológica, que mune o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), da Secretaria de Vigilância da Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS) (4).

2.3 Fluxos da Declaração de Óbito
De acordo com as características do óbito (por causa natural ou acidental e/ou violenta) ou do local de sua ocorrência (hospital, outros estabelecimentos de saúde, via pública, domicílio ou outro, em conformidade com o Campo 20 do Bloco III), o fluxo da DO varia, de acordo com o disposto nos artigos 20 a 26 da Portaria nº 116 MS -SVS, de 11/02/2009 (4).
FLUXO 1 - Art. 20 da Portaria nº 116 MS/SVS de 11/02/2009.
Óbito por causa natural ocorrido em Estabelecimento de Saúde.
FLUXO 2 - Art. 21 da Portaria nº 116 MS / SVS de 11/02/2009.
Óbito por causa natural, ocorrido fora do Estabelecimento de Saúde, com assistência médica.
FLUXO 3 - Art. 22 da Portaria nº 116 MS / SVS de 11/02/2009.
Óbito por causa natural, ocorrido fora de Estabelecimento de Saúde, sem assistência médica, em localidade com SVO.
FLUXO 4 - Art. 21 Parágrafo único da Portaria MS / SVS nº 116 de 11/02/2009.
Óbito por causa natural, ocorrido fora de Estabelecimento de Saúde, sem assistência médica, em localidade sem SVO.
FLUXO 5 - Art. 23 da Portaria nº 116 MS / SVS de 11/02/2009.
Óbito por causa natural ocorrido em localidade sem médico.
FLUXO 6 - Art. 23 §2º da Portaria nº 116 MS / SVS de 11/02/2009.
Óbito por causa natural ocorrido em aldeia indígena com assistência médica.
FLUXO 7 - Art. 25 da Portaria nº 116 MS / SVS de 11/02/2009.
Óbito por causa acidental e/ou violenta ocorrido em localidade com IML.
FLUXO 8 - Art. 26 da Portaria nº 116 MS / SVS de 11/02/2009.
Óbito por causa acidental e/ou violenta ocorrido em localidade sem IML.
2.4 Preenchimento da Declaração
O preenchimento deve ser preferencialmente através letra de forma, legível e com caneta esferográfica (4).
A DO não deve ser assinada, sob nenhuma hipótese, em branco, devendo ainda ser verificado se todos os itens foram devida e corretamente preenchidos, não podendo haver emendas ou rasuras e, caso ocorra uma ressalva deste, deve-se repetir os dados de forma legível e assinado novamente logo abaixo. Não sendo possível ressalvar, todo o jogo deverá ser anulado e encaminhado à Secretaria Municipal de Saúde responsável pela distribuição, para controle. Campos em branco devem ser evitados, assinalando a opção “Ignorado” quando não se conhecer a informação solicitada ou um traço (-) quando não se aplicar ao item correspondente ou na impossibilidade de serem obtidas as informações (6).
O número da Declaração de Óbito é previamente atribuído e impresso na primeira linha do documento, com nove algarismos, em duas partes, sendo a primeira composta por oito algarismos, correspondente à numeração sequencial de cada jogo de DO e, a segunda contém um algarismo, o dígito verificador, cuja principal atribuição é evitar erros de digitação, bem como reduzir a possibilidade de fraudes na emissão do documento ou na digitação de registros. Este algarismo expressa o resultado de um algoritmo aplicado aos oito algarismos anteriores (8).
A Declaração de Óbito é composta por nove Blocos, com um total de 59 variáveis:

Resultados/ Conclusões

Os pontos discutidos nesse trabalho permitem esboçar uma situação que deve ser considerada em discussões acerca do aprimoramento dos Sistemas de Informação em Saúde no Brasil, bem como orientar a preparação de material instrucional acerca do registro das informações sobre mortalidade, direcionado a estudantes de medicina, médicos e gestores de saúde.
Como a Declaração de Óbito é um documento fundamental para fins epidemiológicos, bem como para o planejamento de políticas em saúde e ações jurídicas, é imprescindível que suas informações sejam incontestáveis e acessíveis. Porém, a realidade demonstra um relativo descaso no preenchimento de tal documento.
Em análise, podemos inferir que os principais problemas relacionados ao correto preenchimento da DO são decorrentes:
• do próprio formulário (grande número de campos a serem preenchidos);
• das falhas na disseminação de instruções referentes ao preenchimento desses campos;
• da falta de informações suficientes nas mãos dos médicos para registrarem o óbito;
• da necessidade de melhorias no nível de conhecimento dos médicos sobre o adequado detalhamento das possíveis causas de morte que determinaram o óbito em registro, principalmente no que diz respeito à causa básica;
• do desconhecimento por parte dos médicos da importância do adequado e completo preenchimento do formulário para a veracidade e consistência das informações coletadas pelo SIM;
• negligência ou desconhecimento da própria fisiopatogenia das doenças por parte dos médicos.
Vale ressaltar que a experiência não parece ser um fator de melhora no que diz respeito ao preenchimento da DO, afirma SILVA (14). Em seu trabalho foi evidenciado que a idade e tempo após a graduação não foram fatores modificadores do perfil estudado. Grande parte dos médicos considera a importância do correto preenchimento do documento, por outro lado, sentem que não possuem instrução o suficiente a ponto de não cometerem equívocos.

Considerações Finais

O cenário de problemas apresentado sobre o preenchimento da DO mostra como a qualidade das informações declaradas ainda necessita de melhorias. A situação detectada e descrita aponta para ações concretas a serem implementadas pelas instâncias competentes.
Como a Declaração de Óbito é um documento fundamental para fins epidemiológicos, bem como para o planejamento de políticas em saúde e ações jurídicas, é imprescindível que suas informações sejam incontestáveis e acessíveis. Porém, a realidade demonstra um relativo descaso no preenchimento de tal documento.
Visto que a DO tem importância humanitária, epidemiológica e legal, é de extrema importância o investimento em ações educativas voltadas aos alunos da graduação em Medicina e médicos formados, sejam docentes, residentes ou profissionais autônomos. Só assim será alcançada uma boa qualidade nos dados contidos na DO e em todos os documentos médicos, e, consequentemente, nos dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde.

Bibliografia

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2. CROCE, Delton; JUNIOR, Delton Croce. Manual de Medicina Legal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
3. MESSIAS, Kelly Leite Maia et al. Qualidade da informação dos óbitos por causas externas em Fortaleza, Ceará, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, p. 1255-1267, 2016.
4. BRASIL. Ministério da Saúde. A declaração de óbito: documento necessário e importante / Ministério da Saúde, Conselho Federal de Medicina, Centro Brasileiro de Classificação de Doenças. – 3. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2009.
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9. NASCIMENTO, Francis Pignatti; BERNARDI, Renato. Do cadáver e das partes do corpo humano e o registro no livro “F” do Oficial do Registro Civil e das Pessoas Naturais. Revista Jurídica Cesumar, setembro/dezembro 2018, v. 18, n. 3, p. 821-848.
10. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO – CREMERJ. Atestado de óbito: aspectos médicos, estatísticos, éticos e jurídicos. / Coordenação de Ruy Laurenti e Maria Helena P. de Mello Jorge. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2015. Rio de Janeiro: Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, 2017.
11. LAURENTI, Ruy; JORGE, Maria Helena Prado de Mello. Atestado de óbito: aspectos médicos, estatísticos, éticos e jurídicos.. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2015. 154 p.
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13. SILVA, Pedro Henrique Alcântara da et al. Avaliação do Conhecimento de Médicos Professores, Residentes e Estudantes de Medicina acerca da Declaração de Óbito. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, p. 183-188, June 2016. Available from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100 - 55022016000200183&lng=en&nrm=iso>. access on 01 Oct. 2020
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19. NOVO, Benigno Nuñez; DE ALMEIDA, Bruno Ribeiro. Medicina legal e perícia médica. JUS, 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/64845/medicina-legal-e-pericia-medica>. Acesso: 02 de out. de 2020.


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Instituições

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Autores

KELIA APARECIDA MOREIRA DE ASSIS, LAIRE SAMELINE SOUSA COSTA CAFÉ